domingo, 11 de julho de 2010

A volta da Garra Charrúa

Esse craque já está eternizado na minha memória - o melhor jogador da Copa.

Nessa Copa, meu destaque não vai para a Espanha, que superou os antigos traumas e mostrou-se apta para vir a ser campeã do mundo, com um futebol bonito, de troca de passes e envolvente. Tampouco para a Holanda, que chegou novamente à decisão e outra vez fracassou, porém revelou bons talentos como Sneijder, Robben e De Jong. Nem para a Alemanha - que tem uma grande geração, com meiocampistas excepcionais.

Meu destaque, para falar a verdade, vai para o Uruguai. Ah, o Uruguai. Terra de grandes escritores, como Eduardo Galeano e Horacio Quiroga, e igualmente de grandes craques como Pedro Rocha, Obdulio Varela, Schiaffino, Ghiggia, Nasazzi, Andrade, Pedro Cea, Francescoli, entre muitos outros.

E mesmo com tantos jogadores técnicos como os que citei acima, é historicamente conhecido por ser uma equipe de muita raça no futebol. Força, superação, e jamais desistir - eis os princípios uruguaios de se jogar futebol. O sucesso maior ocorreu enquanto a maioria dos que leiem esta coluna nem eram nascidos; Dos anos 1920 até a década de 1950, o Uruguai era uma das maiores potências futebolísticas do mundo. Revelava craques como quem respira, e suas equipes monopolizavam o comércio de jogadores sul-americanos. Domingos da Guia e Patesko foram apenas alguns dos craques brasileiros que vestiram a camisa ou do Peñarol ou do Nacional.

Havia também muita garra, vontade de vencer. Isso nunca faltou aos uruguaios. A clássica "garra charrua", que mais significava valentia do que violência. As faltas eram poucas - às vezes, nenhuma. Charrúa era, também, o poder de reação - sair perdendo, mas virar o jogo à base de futebol bem jogado.

À base de "Garra Charrúa", o Uruguai ganhou duas olimpíadas, oito Copas Américas e um par de Copas do Mundo. Alguns jornalistas brasileiros têm o costume de inventar uma explicação irreal para o fracasso de 1950. Dizem alguns que os jogadores uruguaios bateram nos brasileiros, e até que Obdulio Varela desferiu um tapa na cara de Bigode, que ficou mansinho durante o jogo. Sobre o tapa, Varela e o próprio Bigode desmentiram. Acerca da violência, os números comprovam. A esquadra celeste cometeu menos da metade das faltas que os brasileiros praticaram.

O tempo foi passando, e a violência foi se desenvolvendo, bem qual uma filha da decadência do futebol uruguaio após essa época de ouro. O que antes era "nunca desistir" passou a ser "intimide-o, de preferência logo no começo do jogo". O Uruguai, então, teve período de claro definhamento em Copas do Mundo. Veja comigo: em 1962, chegou na 13ª posição; 1966, outro fracasso: 7° lugar de 16 equipes; em 1970, um lampejo de bonança, ao chegar na quarta colocação, embora com um futebol já muito bruto; 1974, ano da laranja mecânica, a celeste amargou a décima terceira colocação; 1978 sequer se classificou; quatro anos mais tarde, também não jogou; na Copa do México, em 1986, um ridículo 16° lugar; a colocação se repetiu em 1990, embora a equipe jogasse um futebol bonito, comandada por Oscar Tabarez. Havia sido vice-campeã da Copa América, e sem nenhuma violência. Apenas garra; em 1994, não participou; idem em 1998; em 2002 amargurou vexaminosa vigésima sexta posição; não participou da Copa de 2006, e eis que voltou aos holofotes neste ano de 2010, na Copa da África do Sul.

A lendária seleção uruguaia de 1950.

O técnico? O mesmo de 1990, Oscar Tabarez. Aquele, que imprimiu um novo jeito de jogar na seleção uruguaia, mas que fracassou na Copa. E então, depois de empate chocho com a França na primeira rodada, eis que Tabarez vê que seu meiocampo não é criativo e coloca o craque atacante Forlán na posição de armador. Ele, a partir de então, só não fez chover, armando muito bem a equipe e marcando muitos gols. Terminou como artilheiro do mundial, com 5 tentos. O mais bonito deles feito na decisão de terceiro lugar, quando Arevalo Rios deixou um alemão sentado e cruzou à meia-altura. Forlán, da entrada da área, emendou um voleio sensacional, e a bola foi parar no fundo das redes. Surpreso, Butt ficou inerte e nem foi para a bola. Golaço.

E o Uruguai chegou às semifinais de uma Copa do Mundo depois de 40 anos, utilizando-se da típica e verídica "Garra Charrúa". O Uruguai, por incrível que pareça, foi uma das equipes menos faltosas de todo o Mundial, com apenas 99 faltas - média de 14 faltas por jogo. E, inimaginavelmente, sofreu mais faltas do que cometeu. Nunca desistiu, e isso se refletiu nas partidas contra a Alemanha, Gana e México.

Além disso, protagonizou um fato inédito: um de seus jogadores, o craque Forlán, recebeu justamente o prêmio de melhor jogador da Copa do Mundo, o que nunca antes havia acontecido com um uruguaio.

Alguns não se encantam com esse Uruguai, mas eu me encanto; tenho, agora, uma paixão ascendente pela celeste, que volta a ser A celeste. O povo uruguaio, fanático por futebol, merece.

O prêmio FIFA de Fair Play, o prêmio de seleção que mais vale acompanhar, que mais diverte, foi para a Espanha. Eu, no entanto, daria esse prêmio para o Uruguai.

A semente já foi plantada. E vai, mais cedo ou mais tarde, colher os frutos. Só espero que não seja em 2014. Afinal, um Maracanazzo só já está bom demais.


O golaço de Forlán contra a Alemanha: o gol mais bonito da Copa.

Um abraço,

Cristiano Soares.

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