Aviso e Garrincha
Olá amigos!
Venho aqui publicar um aviso importantíssimo sobre o rumo do blog.
Estou planejando coisas grandes, e já efetuei um planejamento para esse blog. Não divulgarei, por razões óbvias, mas podem esperar um blog muito melhor em 1 semana e meia.
Por enquanto, estou trabalhando no planejamento, e por isso, eu por vezes terei de publicar alguns textos de outras pessoas, como terei que fazer hoje.
O texto de hoje é de Marcelo Assad, da Universidade do Futebol.
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Drible na Geometria do futebol
Garrincha desafiava a ciência
São muitas as histórias sobre Garrincha no futebol. Umas verdadeiras, outras lendas. Mas todas convergem para um mesmo sentido: tratava-se de um jogador que contrariava a lógica, superava a ciência, driblava a geometria como se ela fosse mais um "João" - como ele denominava seus adversários. E sempre que se fala dele, é para relacionar todos os fenômenos citados acima com a simplicidade de um brasileiro dos mais humildes.
Uma das definições mais próximas de quem era este descendente de índio que encantou o mundo com sua magia foi dada pelo escritor Paulo Mendes Campos. "Garrincha era a própria candura. Todo mundo, em todas as profissões e fora delas, sonha com a candura como um bem supremo. Mas somente Mané Garrincha e uns poucos ungidos nasceram e cresceram com essa pureza, essa espontaneidade inalterável."
Manoel Francisco dos Santos nasceu em 28 de outubro de 1933, em Pau-Grande, distrito de Magé, no Rio de Janeiro. Boa parte de sua habilidade foi aprimorada nos barrancos da cidade.
Aos 10 anos, começou a jogar peladas e sempre se deslocava para a direita. Ficava até o entardecer driblando seus incansáveis adversários por lá, adquirindo mais controle de bola cada vez que não a deixava descer pelo desfiladeiro abaixo.
E foi com este dom que Manoel dos Santos contrariou a lógica do universo. Ganhou o apelido de Garrincha por gostar de caçar um passarinho de mesmo nome quando era garoto. Tinha as pernas tortas, uma diferença de 6 cm que separava seus joelhos - a perna esquerda era arqueada para fora.
O baile em Vairo
O mais impressionante era que, mesmo driblando quase sempre para a direita, raramente ele deixava de levar vantagem sobre o seu marcador. Era uma mágica, algo instintivo que se destacava pela rapidez quase selvagem, primitiva.
Certa vez, em um amistoso do Botafogo contra o River Plate, no México, ele "entortou" o lateral-esquerdo Frederico Vairo, um dos maiores da seleção Argentina. Garrincha corria, parava, ia para a direita, voltava, abria espaços, dançava. E Vairo deixou de ser um jogador para se tornar uma imagem de espelho na visão de todos que acompanhavam o baile. O marcador repetia todos os movimentos do atacante. Mas sem a bola, que ele nunca encontrou.
Vendo seu jogador ser humilhado, o técnico do clube argentino resolveu substituí-lo. E foi então que, na última dose de dribles que Garrincha aplicou, os mexicanos, acostumados com as touradas, começaram a gritar olé, pela primeira vez no futebol.
Ao sair de campo, na pista lateral, Vairo não deixou de gesticular para o técnico e o público. Ele apontava para Garrincha e abria as mãos, dizendo que não sabia como pará-lo. "Não há nada o que fazer. É impossível", desabafou logo depois.
Ceticismo de Gentil
Quando chegou ao Botafogo, em 1953, ele logo impressionou em seu primeiro treino, quando driblou por várias vezes o experiente lateral Nilton Santos. O técnico Gentil Cardoso inicialmente debochou do jogador. "Aqui no Botafogo chega de tudo. Até aleijado", comentou.
Mas depois do belo treino de Garrincha, que deu trabalho ao experiente lateral, o técnico indicou sua contratação para o clube carioca. E lá o craque ganhou os títulos estaduais de 1957, 1961 e 1962. Na seleção brasileira, conquistou a glória máxima, sendo bicampeão mundial em 1958 e 1962.
Sua simplicidade e candura puderam ser comprovadas na Copa de 1958. No início, ele estava desanimado com a condição de reserva. Mas, após os insistentes pedidos da maioria do grupo, ele entrou contra os metódicos soviéticos e desequilibrou. No primeiro minuto já havia desmoronado toda a defesa adversária, que estudava cientificamente todos os métodos dos brasileiros. Ele acertou a bola no travessão e depois criou as jogadas para a fácil vitória brasileira por 2 a 0.
A escalação de Garrincha para a partida foi precedida por muita expectativa de seus companheiros. Nilton Santos, conhecedor do espírito desprendido do companheiro, avisou-lhe que era para levar a sério a partida, já que haviam confiado nele. E para deixá-lo mais concentrado no jogo, o lateral "inventou" para Garrincha que o seu marcador soviético havia perguntado para o técnico: "Quem é aquele ponta? Vai ser fácil marcá-lo ele não é de nada".
Foi o bastante. Garrincha pegava na bola, partia para cima do "João", deixava-o no chão de tanto driblá-lo e enquanto o fazia ia gritando para Nilton Santos, que acompanhava tudo de longe. "Foi esse que falou que eu era fácil. Era esse cara? Quem mandou dizer que era fácil", desabafava, driblava e ria.
Visão dos gênios
Na Copa de 1962, Garrincha comandou o time rumo à vitória. Pelé não pôde jogar a maior parte do Mundial, por estar machucado, e Garrincha assumiu toda a responsabilidade, atuando até no meio-campo. Mostrou uma maturidade que poucos conheciam. Fez quatro gols em três jogos, tornando-se artilheiro da competição. Mas fez gols de todas as maneiras: de falta, de perna esquerda, de cabeça, sendo o principal nome do time que conquistou o título.
"Não me assustei com a saída do Pelé. Acontece que sei ver o fundo do baralho antes de o jogo começar. Tinha certeza de que chegaríamos lá e foi isso que aconteceu", disse, pouco depois da conquista.
Sua confiança era tanta que, no jogo contra a Inglaterra, ele quase matou o meia Didi do coração. "Eu estava preparado para a cobrança da falta. Já ia pensando em como aplicar a Folha Seca. O juiz apitou, me aproximei para chutar quando de repente apareceu o Garrincha, que chutou por conta própria e fez o gol", lembrou o ex-companheiro anos depois.
Fora de campo, Garrincha era um verdadeiro menino. Fugia de concentrações, gostava da vida noturna, mas era de uma ingenuidade e bondade quase infantis. Tinha problemas com alcoolismo, que o levaram à morte em 20 de janeiro de 1983.
"Nunca houve homem famoso menos mascarado, menos cônscio de sua importância. Algumas pessoas, a custa do autodomínio, conseguem isso. Mas a Garrincha não custava nada. Ele era desimportante sem saber que o era", afirmou certa vez Mendes Campos.
E, com sua eloqüência, o escritor perfilou aquele olhar de passarinho. "Ele era também perfeitamente espontâneo - e isso ainda é mais raro de se achar - ao receber alegremente a glória e o carinho do povo".
Amizades eternas
Depois do Botafogo, Garrincha ainda jogou algumas partidas pelo Corinthians, em 1966 (quando também participou da Copa do Mundo na Inglaterra). Também teve passagens pelo Flamengo, Olaria e Milionários, da Colômbia. Mas já não mostrava a mesma disposição, desgastado por seguidas contusões no joelho.
Mas o que ele não se esquecia mesmo eram as amizades. Daria tudo o que ganhou - e perdeu - com o futebol, para ver seus companheiros de infância Pincel e Suingue e sair com eles pelos bares cariocas.
Não trocaria alguns "tapinhas nas costas", pelas feijoadas e jogos de baralho no sábado em Pau Grande, local onde ele se refugiava quando se sentia acuado. Então, Nilton Santos ia buscá-lo, tentar convencê-lo a voltar, como se faz com uma criança quando alguém perturbou sua essência sensível. Foi esta áurea que o conduziu ao topo e que o manteve sempre no limiar entre o homem e o sobrenatural.
Ele se entregava por inteiro dentro do campo. Se não estivesse bem de cabeça, era incapaz de ter um bom desempenho. Seu futebol era o reflexo de sua alma, era sua religião. Garrincha, chamado de "Alegria do Povo", era em campo o fruto da fé do brasileiro Mané, uma relação lírica entre homem e natureza. Afinal, como diria Nelson Rodrigues, Deus escreve certo por pernas tortas.
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Um abraço, galera!
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